João e Maria
Perto de uma grande floresta viviam um lenhador pobre, sua esposa e seus dois filhos. O menino se chamava João e a menina se chamava Maria. Eles sempre tiveram muito pouco para comer, mas, certa vez, quando houve uma grande fome na terra, o homem já não conseguia sequer ganhar o pão de cada dia. Uma noite, enquanto se revirava na cama pensando sobre o assunto, ele suspirou profundamente e disse à esposa:
– O que será de nós? Não conseguimos nem alimentar nossos filhos. Não sobrou nada para nós.
– Eu lhe digo o que faremos, marido – a mulher respondeu. – Levaremos as crianças para a floresta amanhã bem cedo, no lugar onde o mato é mais espesso. Faremos uma fogueira e daremos um pedaço de pão a cada um. Então iremos para o nosso trabalho e os deixaremos lá. Eles jamais encontrarão o caminho de volta, e assim nos livraremos deles.
– Não, mulher! – o homem exclamou. – Não posso fazer isso. Não consigo nem imaginar a ideia de levar meus filhos à floresta e deixá-los lá sozinhos. Logo eles seriam devorados pelas feras.
– Você é um tolo – ela protestou. – Vamos todos morrer de fome. É melhor providenciar já os caixões. – E não lhe deu sossego até que ele concordasse com o plano.
– Mas tenho muita pena das crianças – disse o homem.
Como estavam famintos, os dois irmãos não conseguiam dormir e acabaram ouvindo tudo o que a madrasta dissera ao seu pai.
Maria chorou de tristeza e disse a João:
– É o nosso fim.
– Fique calma, Maria. Eu vou dar um jeito nisso.
Quando os pais adormeceram, João se levantou, vestiu seu casaquinho, abriu a porta dos fundos e esgueirou-se para fora. A lua brilhava no céu, e as pedrinhas brancas em frente da casa cintilavam como moedas de prata. João recolheu-as e encheu o bolso com elas. Então entrou em casa e disse a Maria:
– Sossega, irmãzinha, e durma tranquila, pois Deus não nos abandonará – e voltou a deitar-se.
Nas primeiras horas da manhã, antes de o sol nascer, a mulher acordou as duas crianças.
– Acordem, preguiçosos. Vamos para a floresta cortar lenha – ela ordenou.
E então deu a cada um um pedaço de pão.
– É para o jantar – disse-lhes. – Não comam antes, porque não temos mais.
Maria colocou os pães debaixo do avental, pois João levava os bolsos cheios de pedrinha. Partiram todos juntos para a floresta. Quando haviam caminhado um tanto, João parou e virou-se na direção da casa. Fez isso várias vezes.
Por fim, seu pai lhe perguntou:
– João, para o que você está olhando? Ande para a frente, menino.
– Mas, pai – João disse –, estou olhando para o meu gatinho, que está no telhado para me dizer adeus.
– Não seja bobo – a mulher o repreendeu. – Aquilo não é o gato, mas o sol batendo na chaminé.
É claro que João não estava olhando para o gatinho. Na verdade, ia tirando as pedrinhas do bolso e jogando-as pelo caminho.
Quando chegaram ao meio da floresta, o pai pediu aos filhos que fossem pegar madeira para acender uma fogueira e se aquecer. João e Maria fizeram um pequeno monte com galhos e acenderam o fogo.
E então a mulher ordenou:
– Agora deitem-se ao lado da fogueira e descansem, crianças. Eu e seu pai vamos cortar lenha. Quando terminarmos, viremos buscá-los.
João e Maria sentaram-se ao lado do fogo e, ao meio-dia, comeram seus pedaços de pão. Eles achavam que o pai ficara na floresta o tempo todo, pois pensavam ouvir o barulho do machado, mas na verdade o ruído vinha de um galho pendurado em uma árvore ressecada, que o vento fazia balançar para lá e para cá. Depois de um tempo longo, seus olhos se fecharam de cansaço e eles adormeceram. Quando acordaram, já era noite. Maria começou a chorar:
– Como vamos sair desta floresta?
Mas João a confortou:
– Espere um pouco mais, até a lua surgir. Então encontraremos facilmente o caminho de casa.
Quando a lua cheia se levantou no céu, João pegou a irmãzinha pela mão e os dois seguiram a trilha de pedrinhas brancas que brilhavam ao luar e iluminavam o caminho de casa. Passaram a noite inteira andando. Ao raiar do dia, chegaram à casa do pai e bateram na porta. A madrasta atendeu. Quando ela viu João e Maria, disse:
– Mas que crianças levadas! Por que ficaram tanto tempo dormindo na floresta? Pensamos que vocês não mais voltariam.
O pai ficou feliz, pois estava com o coração doendo por tê-los deixado sozinhos na floresta. Não tardou muito para que outra fase de escassez voltasse, e as crianças ouviram a madrasta dizer ao pai, à noite, na cama:
– Acabou a comida. Temos apenas meio pão. Chega. As crianças devem ir embora. Dessa vez vamos penetrar ainda mais na floresta, para que não consigam achar o caminho de volta. Essa é a nossa única opção.
O homem ficou triste.
– Seria melhor dividirmos o último bocado com eles – respondeu ele.
Sua mulher, porém, não queria saber e o repreendeu. Quando um homem cede uma vez, acaba cedendo de novo.
As crianças não estavam dormindo e ouviram toda a conversa. Quando os pais adormeceram, João se levantou para recolher mais pedrinhas brancas do que na primeira vez, mas a madrasta tinha trancado a porta e ele não conseguiu sair. João consolou a irmãzinha, dizendo:
– Não chore, Maria. Vá dormir que Deus vai nos ajudar.
Na manhã seguinte, a mulher tirou as crianças da cama bem cedo. Ela deu um pedaço de pão para cada um deles; menos do que antes. A caminho da floresta, João esmigalhou o pão e guardo-o no bolso. De tempos em tempos ele parava para jogar no chão uma migalha.
– João, por que você fica aí parado? – perguntou o pai.
– Estou olhando a pombinha sentada no telhado – João respondeu.
– Que bobo! – a mulher protestou. – Não é a pomba, mas o sol da manhã batendo na chaminé.
João continuou andando e espalhando migalhas de pão pela estrada afora. A mulher levou as crianças até o coração da floresta, onde nunca eles haviam estado. Mais uma vez fizeram uma fogueira e a madrasta disse:
– Sentem-se crianças. Quando se cansarem, podem dormir. Nós vamos cortar lenha e à noite viremos buscá-los.
Ao meio-dia Maria dividiu com João seu pedaço de pão, uma vez que o outro fora espalhado ao longo do caminho. Então eles dormiram e a tarde passou. Ninguém foi buscar os pobrezinhos. Quando eles acordaram, já era noite. João consolou a irmãzinha, dizendo:
– Espere um pouco Maria, só até a lua aparecer. Então conseguiremos ver as migalhas de pão que deixei pelo caminho.
Quando a lua surgiu no céu, eles se levantaram, mas não acharam nenhuma migalha de pão, pois os pássaros haviam comido todas elas. João pensou que ainda assim eles achariam o caminho de volta, mas isso não aconteceu. Os irmãos caminharam toda a noite e todo o dia seguinte, mas não conseguiram sair da floresta. Eles estavam famintos, pois a única coisa que tinham para comer eram algumas frutinhas silvestres. Quando se sentiram cansados a ponto de não conseguir dar mais nem um passo, deitaram-se embaixo de uma árvore e adormeceram.
Aquela era a terceira manhã desde que haviam deixado a casa do pai. Estavam tentando voltar para lá, mas afundavam cada vez mais na floresta. Se não encontrassem socorro rapidamente, morreriam de fome.
Perto do meio-dia, João e Maria avistaram um lindo passarinho branco empoleirado em um galho. O bichinho entoava uma melodia tão doce que eles pararam para escutar. Assim que terminou de cantar, a ave abriu as asas e voejou na frente das crianças, que a seguiram até uma casinha. Quando João e Maria se aproximaram, perceberam que as paredes da casa eram feitas de pão, que o telhado era feito de bolos e que as janelas eram de açúcar transparente.
– Vamos provar – disse João – e fazer uma ótima refeição. Eu vou comer um pedaço do telhado, Maria, e você pode comer a janela, que deve ser bem doce.
E assim João esticou a mão e quebrou um pedacinho do telhado, para ver que gosto tinha. Maria aproximou-se da janela e deu-lhe uma dentada. De repente, porém, eles ouviram uma voz fina vindo de dentro da casa:
Ora, ora, ora.
Quem rói minha casinha a esta hora?
E os irmãos responderam:
Não duvide por um momento
que foi apenas o vento.
E continuaram comendo. João, que tinha gostado muito do sabor do telhado, pegou um pedaço maior, e Maria arrancou uma fatia grande da janela, sentando-se para comê-la. Nesse momento a porta se abriu e uma velha saiu de lá de dentro apoiada em uma bengala. João e Maria ficaram assustados e derrubaram a comida no chão. A velha, porém, sacudiu a cabeça, dizendo:
– Ah, crianças, como vão vocês? Entrem e me façam companhia. Está tudo bem.
A velha pegou as crianças pela mão e levou-as para dentro da casa. Serviu-lhes leite e panquecas com açúcar, maçã e castanhas. A seguir, mostrou-lhes duas camas. João e Maria se deitaram, achando que estavam no céu.
Embora parecesse boa, a velha era na verdade uma bruxa má que vivia à espera de crianças e havia construído aquela casa com o objetivo de atraí-las. Assim que as crianças entravam, ela as matava, cozinhava e comia. Os olhos da bruxa eram vermelhos e ela não enxergava muito bem, mas tinha um olfato excelente e sabia muito bem quando havia seres humanos por perto. Quando percebeu que João e Maria estavam se aproximando, soltou uma gargalhada e disse, triunfante:
– Eu os peguei. Eles não vão escapar.
Na manhã do dia seguinte, antes que as crianças acordassem, ela foi vê-los. Os irmãos dormiam tranquilamente e tinham as bochechas rosadas.
– Que banquete eu vou ter! – a bruxa exclamou.
Ela agarrou João com sua mão ressecada e levou-o para um pequeno estábulo, trancando-o atrás de uma grade. Não adiantou o menino gritar. Então ela voltou para a casa e começou a sacudir Maria, gritando:
– Acorde, preguiçosa. Vá pegar água e cozinhe alguma coisa gostosa para o seu irmão. Ele está lá fora no estábulo e precisa engordar. E quando ele estiver bem gordinho vou comê-lo.
Maria pôs-se a chorar, mas não adiantou nada. Teve de fazer o que lhe ordenara a bruxa má.
E foi assim que a melhor comida foi servida para João. Para Maria sobraram apenas cascas de caranguejos. Todas as manhãs a bruxa ia ao estábulo e gritava:
– João, ponha o dedo para fora para eu ver se você já engordou.
João, no entanto, mostrava-lhe um ossinho, e, como a velha enxergava mal, achava que o menino continuava magro. Ela não entendia por quê. Depois de quatro semanas, perdeu a paciência.
– Maria, vá logo pegar água – ela gritou para a menina. Esteja gordo ou esteja magro, amanhã vou matá-lo e comê-lo.
Oh, que agonia para a pobre Maria ter de pegar água para cozinhar o próprio irmão! Lágrimas rolaram por seu rosto.
– Por favor, meu bom Deus, ajude-nos. Se tivéssemos sido devorados pelas feras da floresta, pelo menos teríamos morrido juntos.
– Deixe de lamentações – protestou a velha. – Elas não servem para nada.
Na manhã seguinte, Maria teve de se levantar bem cedo, acender o fogo e encher a chaleira.
– Primeiro vamos fazer o assado – a velha disse. – Já aqueci o forno e sovei a massa.
Ela empurrou Maria na direção do forno, onde as chamas brilhavam.
– Entre – ordenou a bruxa – e veja se está bem quente para assar o pão.
Assim que Maria entrasse no forno, a bruxa pretendia fechá-la lá dentro para assá-la e comê-la também, mas Maria percebeu suas intenções e disse:
– Eu não sei fazer isso. Como é que se entra no forno?
– Garota burra – a velha respondeu. – A abertura é bem grande, não está vendo? Até eu consigo entrar. – E a velha esticou o tronco e pôs a cabeça na boca do forno. Então Maria deu-lhe um empurrão, enfiou-a lá dentro e trancou a porta. A velha urrou! Mas Maria saiu correndo e deixou a bruxa má assando. Foi direto até onde estava João e soltou-o.
– João, estamos livres. A bruxa velha está morta.
Tão logo a porta se abriu, João saiu de sua prisão. Como os dois estavam felizes! Eles se abraçaram e começaram a dançar. E como não havia nada mais a temer, vasculharam a casa da bruxa. Encontraram caixas de joias com pérolas e pedras preciosas por todos os cantos.
– Isto é muito melhor do que pedrinhas brancas – João constatou, enchendo os bolsos, enquanto Maria, pensando que também deveria levar algumas para casa, começou e encher o avental.
– Agora vamos tentar sair da floresta da bruxa – propôs João.
Depois de algumas horas de caminhada, surgiu um rio imenso.
– Não vamos conseguir atravessar – João disse. – Não estou vendo pedras nem ponte.
– Não há nenhum barco também – Maria acrescentou. – Mas veja ali um pato branco! Se eu pedir, ele vai nos ajudar. Maria gritou:
Pato, pato, aqui estamos,
João e Maria, na margem do rio.
Não temos pedras nem ponte,
leve-nos em seu dorso branco.
O pato se aproximou. João montou nele e chamou a irmã.
– Não – Maria disse. É peso demais para o pato. Vamos separados, um depois do outro.
E assim eles se arranjaram e cruzaram o rio. Depois de um tempo a paisagem começou a lhes parecer familiar. De repente, avistaram a casa do pai a distância. Os dois irmãos correram até lá, entraram esbaforidos e se agarraram ao pescoço do pai. O homem não tivera um minuto de sossego desde que deixara os filhos na floresta; a mulher tinha morrido.
Maria abriu seu avental, espalhando as pérolas e as pedras preciosas pelo chão. E João pegou outro punhado delas no bolso. Assim tudo ficou resolvido, e ao final eles viveram juntos e felizes.
– O que será de nós? Não conseguimos nem alimentar nossos filhos. Não sobrou nada para nós.
– Eu lhe digo o que faremos, marido – a mulher respondeu. – Levaremos as crianças para a floresta amanhã bem cedo, no lugar onde o mato é mais espesso. Faremos uma fogueira e daremos um pedaço de pão a cada um. Então iremos para o nosso trabalho e os deixaremos lá. Eles jamais encontrarão o caminho de volta, e assim nos livraremos deles.
– Não, mulher! – o homem exclamou. – Não posso fazer isso. Não consigo nem imaginar a ideia de levar meus filhos à floresta e deixá-los lá sozinhos. Logo eles seriam devorados pelas feras.
– Você é um tolo – ela protestou. – Vamos todos morrer de fome. É melhor providenciar já os caixões. – E não lhe deu sossego até que ele concordasse com o plano.
– Mas tenho muita pena das crianças – disse o homem.
Como estavam famintos, os dois irmãos não conseguiam dormir e acabaram ouvindo tudo o que a madrasta dissera ao seu pai.
Maria chorou de tristeza e disse a João:
– É o nosso fim.
– Fique calma, Maria. Eu vou dar um jeito nisso.
Quando os pais adormeceram, João se levantou, vestiu seu casaquinho, abriu a porta dos fundos e esgueirou-se para fora. A lua brilhava no céu, e as pedrinhas brancas em frente da casa cintilavam como moedas de prata. João recolheu-as e encheu o bolso com elas. Então entrou em casa e disse a Maria:
– Sossega, irmãzinha, e durma tranquila, pois Deus não nos abandonará – e voltou a deitar-se.
Nas primeiras horas da manhã, antes de o sol nascer, a mulher acordou as duas crianças.
– Acordem, preguiçosos. Vamos para a floresta cortar lenha – ela ordenou.
E então deu a cada um um pedaço de pão.
– É para o jantar – disse-lhes. – Não comam antes, porque não temos mais.
Maria colocou os pães debaixo do avental, pois João levava os bolsos cheios de pedrinha. Partiram todos juntos para a floresta. Quando haviam caminhado um tanto, João parou e virou-se na direção da casa. Fez isso várias vezes.
Por fim, seu pai lhe perguntou:
– João, para o que você está olhando? Ande para a frente, menino.
– Mas, pai – João disse –, estou olhando para o meu gatinho, que está no telhado para me dizer adeus.
– Não seja bobo – a mulher o repreendeu. – Aquilo não é o gato, mas o sol batendo na chaminé.
É claro que João não estava olhando para o gatinho. Na verdade, ia tirando as pedrinhas do bolso e jogando-as pelo caminho.
Quando chegaram ao meio da floresta, o pai pediu aos filhos que fossem pegar madeira para acender uma fogueira e se aquecer. João e Maria fizeram um pequeno monte com galhos e acenderam o fogo.
E então a mulher ordenou:
– Agora deitem-se ao lado da fogueira e descansem, crianças. Eu e seu pai vamos cortar lenha. Quando terminarmos, viremos buscá-los.
João e Maria sentaram-se ao lado do fogo e, ao meio-dia, comeram seus pedaços de pão. Eles achavam que o pai ficara na floresta o tempo todo, pois pensavam ouvir o barulho do machado, mas na verdade o ruído vinha de um galho pendurado em uma árvore ressecada, que o vento fazia balançar para lá e para cá. Depois de um tempo longo, seus olhos se fecharam de cansaço e eles adormeceram. Quando acordaram, já era noite. Maria começou a chorar:
– Como vamos sair desta floresta?
Mas João a confortou:
– Espere um pouco mais, até a lua surgir. Então encontraremos facilmente o caminho de casa.
Quando a lua cheia se levantou no céu, João pegou a irmãzinha pela mão e os dois seguiram a trilha de pedrinhas brancas que brilhavam ao luar e iluminavam o caminho de casa. Passaram a noite inteira andando. Ao raiar do dia, chegaram à casa do pai e bateram na porta. A madrasta atendeu. Quando ela viu João e Maria, disse:
– Mas que crianças levadas! Por que ficaram tanto tempo dormindo na floresta? Pensamos que vocês não mais voltariam.
O pai ficou feliz, pois estava com o coração doendo por tê-los deixado sozinhos na floresta. Não tardou muito para que outra fase de escassez voltasse, e as crianças ouviram a madrasta dizer ao pai, à noite, na cama:
– Acabou a comida. Temos apenas meio pão. Chega. As crianças devem ir embora. Dessa vez vamos penetrar ainda mais na floresta, para que não consigam achar o caminho de volta. Essa é a nossa única opção.
O homem ficou triste.
– Seria melhor dividirmos o último bocado com eles – respondeu ele.
Sua mulher, porém, não queria saber e o repreendeu. Quando um homem cede uma vez, acaba cedendo de novo.
As crianças não estavam dormindo e ouviram toda a conversa. Quando os pais adormeceram, João se levantou para recolher mais pedrinhas brancas do que na primeira vez, mas a madrasta tinha trancado a porta e ele não conseguiu sair. João consolou a irmãzinha, dizendo:
– Não chore, Maria. Vá dormir que Deus vai nos ajudar.
Na manhã seguinte, a mulher tirou as crianças da cama bem cedo. Ela deu um pedaço de pão para cada um deles; menos do que antes. A caminho da floresta, João esmigalhou o pão e guardo-o no bolso. De tempos em tempos ele parava para jogar no chão uma migalha.
– João, por que você fica aí parado? – perguntou o pai.
– Estou olhando a pombinha sentada no telhado – João respondeu.
– Que bobo! – a mulher protestou. – Não é a pomba, mas o sol da manhã batendo na chaminé.
João continuou andando e espalhando migalhas de pão pela estrada afora. A mulher levou as crianças até o coração da floresta, onde nunca eles haviam estado. Mais uma vez fizeram uma fogueira e a madrasta disse:
– Sentem-se crianças. Quando se cansarem, podem dormir. Nós vamos cortar lenha e à noite viremos buscá-los.
Ao meio-dia Maria dividiu com João seu pedaço de pão, uma vez que o outro fora espalhado ao longo do caminho. Então eles dormiram e a tarde passou. Ninguém foi buscar os pobrezinhos. Quando eles acordaram, já era noite. João consolou a irmãzinha, dizendo:
– Espere um pouco Maria, só até a lua aparecer. Então conseguiremos ver as migalhas de pão que deixei pelo caminho.
Quando a lua surgiu no céu, eles se levantaram, mas não acharam nenhuma migalha de pão, pois os pássaros haviam comido todas elas. João pensou que ainda assim eles achariam o caminho de volta, mas isso não aconteceu. Os irmãos caminharam toda a noite e todo o dia seguinte, mas não conseguiram sair da floresta. Eles estavam famintos, pois a única coisa que tinham para comer eram algumas frutinhas silvestres. Quando se sentiram cansados a ponto de não conseguir dar mais nem um passo, deitaram-se embaixo de uma árvore e adormeceram.
Aquela era a terceira manhã desde que haviam deixado a casa do pai. Estavam tentando voltar para lá, mas afundavam cada vez mais na floresta. Se não encontrassem socorro rapidamente, morreriam de fome.
Perto do meio-dia, João e Maria avistaram um lindo passarinho branco empoleirado em um galho. O bichinho entoava uma melodia tão doce que eles pararam para escutar. Assim que terminou de cantar, a ave abriu as asas e voejou na frente das crianças, que a seguiram até uma casinha. Quando João e Maria se aproximaram, perceberam que as paredes da casa eram feitas de pão, que o telhado era feito de bolos e que as janelas eram de açúcar transparente.
– Vamos provar – disse João – e fazer uma ótima refeição. Eu vou comer um pedaço do telhado, Maria, e você pode comer a janela, que deve ser bem doce.
E assim João esticou a mão e quebrou um pedacinho do telhado, para ver que gosto tinha. Maria aproximou-se da janela e deu-lhe uma dentada. De repente, porém, eles ouviram uma voz fina vindo de dentro da casa:
Ora, ora, ora.
Quem rói minha casinha a esta hora?
E os irmãos responderam:
Não duvide por um momento
que foi apenas o vento.
E continuaram comendo. João, que tinha gostado muito do sabor do telhado, pegou um pedaço maior, e Maria arrancou uma fatia grande da janela, sentando-se para comê-la. Nesse momento a porta se abriu e uma velha saiu de lá de dentro apoiada em uma bengala. João e Maria ficaram assustados e derrubaram a comida no chão. A velha, porém, sacudiu a cabeça, dizendo:
– Ah, crianças, como vão vocês? Entrem e me façam companhia. Está tudo bem.
A velha pegou as crianças pela mão e levou-as para dentro da casa. Serviu-lhes leite e panquecas com açúcar, maçã e castanhas. A seguir, mostrou-lhes duas camas. João e Maria se deitaram, achando que estavam no céu.
Embora parecesse boa, a velha era na verdade uma bruxa má que vivia à espera de crianças e havia construído aquela casa com o objetivo de atraí-las. Assim que as crianças entravam, ela as matava, cozinhava e comia. Os olhos da bruxa eram vermelhos e ela não enxergava muito bem, mas tinha um olfato excelente e sabia muito bem quando havia seres humanos por perto. Quando percebeu que João e Maria estavam se aproximando, soltou uma gargalhada e disse, triunfante:
– Eu os peguei. Eles não vão escapar.
Na manhã do dia seguinte, antes que as crianças acordassem, ela foi vê-los. Os irmãos dormiam tranquilamente e tinham as bochechas rosadas.
– Que banquete eu vou ter! – a bruxa exclamou.
Ela agarrou João com sua mão ressecada e levou-o para um pequeno estábulo, trancando-o atrás de uma grade. Não adiantou o menino gritar. Então ela voltou para a casa e começou a sacudir Maria, gritando:
– Acorde, preguiçosa. Vá pegar água e cozinhe alguma coisa gostosa para o seu irmão. Ele está lá fora no estábulo e precisa engordar. E quando ele estiver bem gordinho vou comê-lo.
Maria pôs-se a chorar, mas não adiantou nada. Teve de fazer o que lhe ordenara a bruxa má.
E foi assim que a melhor comida foi servida para João. Para Maria sobraram apenas cascas de caranguejos. Todas as manhãs a bruxa ia ao estábulo e gritava:
– João, ponha o dedo para fora para eu ver se você já engordou.
João, no entanto, mostrava-lhe um ossinho, e, como a velha enxergava mal, achava que o menino continuava magro. Ela não entendia por quê. Depois de quatro semanas, perdeu a paciência.
– Maria, vá logo pegar água – ela gritou para a menina. Esteja gordo ou esteja magro, amanhã vou matá-lo e comê-lo.
Oh, que agonia para a pobre Maria ter de pegar água para cozinhar o próprio irmão! Lágrimas rolaram por seu rosto.
– Por favor, meu bom Deus, ajude-nos. Se tivéssemos sido devorados pelas feras da floresta, pelo menos teríamos morrido juntos.
– Deixe de lamentações – protestou a velha. – Elas não servem para nada.
Na manhã seguinte, Maria teve de se levantar bem cedo, acender o fogo e encher a chaleira.
– Primeiro vamos fazer o assado – a velha disse. – Já aqueci o forno e sovei a massa.
Ela empurrou Maria na direção do forno, onde as chamas brilhavam.
– Entre – ordenou a bruxa – e veja se está bem quente para assar o pão.
Assim que Maria entrasse no forno, a bruxa pretendia fechá-la lá dentro para assá-la e comê-la também, mas Maria percebeu suas intenções e disse:
– Eu não sei fazer isso. Como é que se entra no forno?
– Garota burra – a velha respondeu. – A abertura é bem grande, não está vendo? Até eu consigo entrar. – E a velha esticou o tronco e pôs a cabeça na boca do forno. Então Maria deu-lhe um empurrão, enfiou-a lá dentro e trancou a porta. A velha urrou! Mas Maria saiu correndo e deixou a bruxa má assando. Foi direto até onde estava João e soltou-o.
– João, estamos livres. A bruxa velha está morta.
Tão logo a porta se abriu, João saiu de sua prisão. Como os dois estavam felizes! Eles se abraçaram e começaram a dançar. E como não havia nada mais a temer, vasculharam a casa da bruxa. Encontraram caixas de joias com pérolas e pedras preciosas por todos os cantos.
– Isto é muito melhor do que pedrinhas brancas – João constatou, enchendo os bolsos, enquanto Maria, pensando que também deveria levar algumas para casa, começou e encher o avental.
– Agora vamos tentar sair da floresta da bruxa – propôs João.
Depois de algumas horas de caminhada, surgiu um rio imenso.
– Não vamos conseguir atravessar – João disse. – Não estou vendo pedras nem ponte.
– Não há nenhum barco também – Maria acrescentou. – Mas veja ali um pato branco! Se eu pedir, ele vai nos ajudar. Maria gritou:
Pato, pato, aqui estamos,
João e Maria, na margem do rio.
Não temos pedras nem ponte,
leve-nos em seu dorso branco.
O pato se aproximou. João montou nele e chamou a irmã.
– Não – Maria disse. É peso demais para o pato. Vamos separados, um depois do outro.
E assim eles se arranjaram e cruzaram o rio. Depois de um tempo a paisagem começou a lhes parecer familiar. De repente, avistaram a casa do pai a distância. Os dois irmãos correram até lá, entraram esbaforidos e se agarraram ao pescoço do pai. O homem não tivera um minuto de sossego desde que deixara os filhos na floresta; a mulher tinha morrido.
Maria abriu seu avental, espalhando as pérolas e as pedras preciosas pelo chão. E João pegou outro punhado delas no bolso. Assim tudo ficou resolvido, e ao final eles viveram juntos e felizes.
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