O meu depoimento
O meu depoimento
Não tenho mãe, eu e as minhas irmãs vivíamos com o meu pai em condições muito difíceis, não tínhamos o que comer. A minha irmã recém-nascida precisava de cuidados médicos, o meu pai teve que ficar com ela no hospital durante três semanas.

Eu tinha 7 anos e a outra irmã de 5 anos ficávamos em casa sozinhas, sem nada para comer e sem nenhum adulto por perto,  algumas vezes comíamos em casa dum vizinho mais próximo. O meu pai bateu várias portas pedindo ajuda, depois de algum tempo ele entra em contacto com uma madre do Centro Mama Muxima em Malange, a madre não prometeu nada, disse apenas que ia ver o que poderia fazer
para nos ajudar.

A madre foi até a nossa casa para ver as condições em que vivíamos. Tive que
deixar de estudar porque o meu pai tinha sido despedido e não tinha como ficar connosco, não tivemos outra saída senão entrar para o Centro Mama Muxima que tinha acabado de ser aberto, nós fomos praticamente as primeiras crianças.

Um ano depois de entrarmos para o Centro, perdemos a nossa irmã mais nova. Tenho outros familiares, tios, primos, tenho irmãos do lado da minha mãe e tenho irmãos do lado do meu pai também. Algumas vezes visito os meus irmãos de parte de pai porque são os únicos que sei onde moram, não faço isso com muita regularidade porque tenho a sensação que não sou bem-vinda, vejo o comportamento, vejo a receção, do nosso lado só existe uma intenção, de estarmos mais próximos, de nos conhecermos melhor, mas do lado deles pensam sempre que a nossa visita é sempre com a intenção de pedir ajuda e então nós procuramos evitar esse tipo de constrangimento. Não tenho recebido visitas de ninguém, os meus familiares
nem sabem onde eu vivo, nunca tiveram interesse em conhecer, por isso, dos meus familiares não tenho apoio nenhum. Não me posso queixar do meu pai e da minha irmã, sei que eles não têm possibilidades de pagar uma passagem para me visitar, muitas vezes tenho que pedir ajuda as madres do centro e eu desloco-me para os ver. Tenho recebido apoio das irmãs do centro em primeiro lugar, de algumas amizades que tenho feito regularmente (bem-feitores).Tenho amigos que ao longo destes anos todos tornaram-se a “minha família”. Um dos meus maiores medos é dececionar o meu pai que depositou toda a confiança em mim para cuidar da minha irmã e lutar por uma vida melhor para todos nós, uma vida muito diferente da que ele teve e da que ele não conseguiu dar-nos, temo também que as pessoas que apostam na minha formação venham a perder o interesse por tudo que eles depositaram em mim e eu não souber corresponder as expectativas.  não puder dar o suporte necessário a minha irmã para continuar os seus estudos e realizar os seus sonhos.

Quero e estou a lutar para realizar os meus sonhos, ser uma vencedora, puder ser alguém nessa sociedade, não apenas uma cidadã comum, mas sim alguém que faça a diferença.Até agora tem sido uma luta constante, as dificuldades são imensas, principalmente com a minha formação. As madres do CMM pagam as minhas propinas, as vezes com algum atraso o que cria algum constrangimento, pagando muitas vezes com multa. Fico as vezes sem dinheiro para me deslocar para a faculdade, peço ajuda aos amigos e quando eles não conseguem ajudar-me acabo por vender algumas peças de roupa, sapatos que ganho de ofertas (donativos), de pessoas amigas que nem fazem parte da minha família, mas estão sempre dispostas a ajudar,gostaria imenso de guardar o que recebo pelo valor sentimental, mas não tenho outra alternativa, vendo para suprir algumas dificuldades financeiras, pagar os trabalhos escolares como também ajudar a pagar as propinas da minha irmã. Não tenho tido muito sucesso com as disciplinas práticas da faculdade, por não ter um computador adaptado ao curso que faço, obter material para estudo tem sido um pesadelo, as vezes por falta de material outras vezes por custar muito caro e eu não conseguir comprar. O pesadelo aumenta as vezes quando o meu telefone toca e oiço a minha irmã a dizer que foi posta fora da sala por ter as propinas em atraso ou por não ter conseguido pagar este ou aquele trabalho, tudo isso são preocupações que me tiram o foco, deixa-me muito triste. Vou para cama sempre com o coração nas mãos, com medo e com a incerteza de ser surpreendida no dia seguinte com alguma decisão das madres de ter que deixar o CMM uma vez que estou neste momento com 21 anos de idade. Estou consciente que tenho que deixar lugar para outras crianças, mas ao mesmo tempo também estou consciente que a vida fora do centro poderá ser muito mais cruel, sem trabalho e sem abrigo, para onde é que eu vou?

Não posso passar essa preocupação e responsabilidade para o meu pai, penso que neste momento ele precisa mais de mim, precisa que cuidem dele. Não tenho com quem conversar, abrir o meu coração, dizer o que vai na minha alma, partilhar os meus sonhos, ter alguém que me ouvisse e que me guiasse, é uma coisa que faz muita falta. Bem que poderia falar com o meu pai, mas não tenho coragem, principalmente por saber que o deixarei mais preocupado, não posso contar muito com as madres do centro por já terem tão pouco tempo na sua agenda e por atenderem muitas crianças. Quando conheço alguém que mostra algum interesse, que se importa comigo, mas tudo dura tão pouco e por algum motivo essa amizade vai e já não volta, fico com alguma dificuldade de me recuperar. Lembro-me quando era pequena não gostava de fazer amizades porque tinha muito medo de perder essas amizades. Estou a lutar para ser uma engenheira informática. Para além da engenharia, penso em ter uma marca no mercado, de um PC, de roupa ou de algum carro, sei que será um trabalho árduo, mas é um sonho, sei que não é impossível, tenho que trabalhar bastante, é a minha meta. Quero dar uma vida digna ao meu pai e a minha irmã, uma casa digna de se viver, ajudar pessoas que enfrentam dificuldades financeiras, dar um pouco de amor, sorriso que também recebo, quero estar a dirigir um lugar que acolhesse pessoas que não tiveram culpa de vir ao mundo ou que a sociedade não os consegue ajudar. Quer fazer viagens de negócios, conhecer o mundo de que tanto se fala. Quero puder sair do CMM, por mais que pareça ser o melhor lugar que a vida me ofereceu, gostaria de sair, mas com o orgulho de ter vivido os melhores momentos da minha vida e que a oportunidade no CMM valeu a pena. Quero ter o prazer de me deitar sem nenhuma preocupação sem ouvir algumas “bocas” desagradáveis, algumas indiretas.

Quero ter um emprego digno para cuidar de mim para não ouvir nunca mais que, se estou onde estou é porque sentem pena de mim e da minha família, fazer refeições sem ouvir algumas “bocas”, causa-me alguma angústia, porque tem sempre alguém descontente com a minha presença. Vou lutar para ter a minha vida própria e formar uma família. Continuo a estudar, mesmo enfrentando as dificuldades que a vida me impõe, ainda não desisti, dou o meu melhor em tudo que faço, aproveito cada oportunidade que aparece, não  desperdiço.

O dia mais triste da minha vida foi quando pensei que fosse perder o meu pai, ele começou a beber, quase perdeu a vida, depois foi quando recebi a noticia que a minha irmã mais nova estava grávida e teria que deixar o Centro Mama Muxima, consequentemente teve que deixar os estudos e ia ter que passar por todas as dificuldades do passado novamente. O momento mais feliz da minha vida, foi quando terminei o ensino médio e meu pai derramou algumas lágrimas de alegria dizendo que sentia muito orgulho por mim, que nunca pensou que teria uma filha formada. O outro momento mais feliz foi quando conheci recentemente um amigo chamado Sr. Carlos Silva, ele deu-me um novo começo, fez-me sonhar novamente, mostrou-me uma nova forma de ver as coisas, ele mostrou-se importar verdadeiramente comigo e deu-me uma nova família que levarei para o resto da minha vida.

Conseguir um emprego, está difícil, mas vou conseguir, e a partir dele nunca mais parar.
© Jose Carlos Da Silva,
книга «Histórias de uma vida».
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