Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 8

Poucos dias mais tarde, quando já amainara o terror causado pelas execuções, alguns animais lembraram-se — ou julgaram lembrar-se — de que o Sexto Mandamento rezava: “Nenhum animal matará outro animal.” Embora ninguém o mencionasse ao alcance dos ouvidos dos porcos ou dos cachorros, parecia-lhes que a matança ocorrida não se ajustava muito bem com isso. Quitéria pediu a Benjamim que lesse o Sexto Mandamento e quando Benjamim, como sempre, respondeu que se recusava a envolver-se em tais assuntos, procurou Maricota. Esta leu para ela o Sexto Mandamento. Dizia: “Nenhum animal matará outro animal, sem motivo.” De uma ou outra maneira, as duas últimas palavras haviam escapado à memória dos bichos. Mas estes viam agora que o Sexto Mandamento não fora violado; sim, pois, evidentemente, havia boas razões para matar os traidores que se haviam aliado a Bola-de-Neve.

Durante aquele ano, os bichos trabalharam ainda mais que no ano anterior. A reconstrução do moinho de vento, as paredes com o dobro de espessura, sua conclusão no prazo marcado, juntamente com o trabalho normal da granja, era tudo tremendamente laborioso. Momentos houve em que lhes pareceu que estavam trabalhando mais do que no tempo de Jones, sem se alimentarem melhor. Nos domingos de manhã, Garganta, segurando uma comprida folha de papel, lia, para eles relações de estatísticas comprobatórias de que a produção de todas as classes de gêneros alimentícios aumentara de duzentos, trezentos ou quinhentos por cento, conforme o caso. Os bichos não viam razão para desacreditá-lo, especialmente porque já não conseguiam lembrar-se com clareza das exatas condições de antes da Revolução. Mesmo assim, dias havia em que prefeririam ter menos estatísticas e mais comida.

Todas as ordens, agora, eram transmitidas por meio de Garganta ou de outro porco. Napoleão não era visto em público mais do que uma vez cada quinze dias. E, quando aparecia, era acompanhado, não só pela sua matilha de cães, mas também por um garnisé preto que marchava à sua frente, atuando como arauto, soltando um cocoricó antes de cada fala de Napoleão. Mesmo na casa grande, diziam, ele habitava um apartamento separado dos demais. Fazia as refeições sozinho, com dois cachorros para servi-lo, e comia no serviço de jantar de porcelana da cristaleira da sala. Anunciou-se também que a espingarda seria disparada anualmente na data do aniversário de Napoleão, assim como nos outros dois aniversários.

Agora já não mencionavam Napoleão como “Napoleão” simplesmente. Referiam-se a ele de maneira formal, como “nosso Líder, o Camarada Napoleão”, e os porcos gostavam de inventar para ele títulos tais como Pai de Todos os Bichos, Terror da Humanidade, Protetor dos Apriscos, Amigo dos Pintainhos e assim por diante. Garganta, em seus discursos, com lágrimas rolando pelo focinho, falava na sabedoria de Napoleão, na bondade de seu coração, no profundo amor que devotava aos animais de todos os lugares, mesmo — e especialmente — aos infelizes animais que ainda viviam na ignorância e na escravidão, em outras granjas. Tomara-se usual atribuir a Napoleão o crédito de todos os êxitos e de todos os golpes de sorte. Ouvia-se, freqüentemente, uma galinha comentar para outra: “Sob a orientação de nosso Líder, o Camarada Napoleão, pus cinco ovos em seis dias”; ou duas vacas, bebendo juntas no açude, exclamarem: “Graças à liderança do Camarada Napoleão, que gosto bom tem esta água!” O sentimento geral da granja era bem expresso num poema intitulado “O Camarada Napoleão”, composto por Mínimo, que era assim:


Amigo dos órfãos!

Fonte da Felicidade!

Senhor do balde de lavagem!

Oh, minh'alma arde

Em fogo quando eu te vejo

Assim, calmo e soberano,

Como o sol na imensidão,

Camarada Napoleão!


Tu és aquele que tudo dá, tudo

Quanto as pobres criaturas amam.

Barriga cheia duas vezes por dia,

Palha limpa onde rolar;

Todos os bichos, grandes, pequenos,

Dormem tranqüilos, enquanto

Tu zelas por nós na solidão,

Camarada Napoleão!

Tivesse eu um leitão e

Antes mesmo que atingisse

O tamanho de um garrafão ou de um barril

Já teria aprendido a ser, eternamente,

Um teu fiel e leal seguidor. E o primeiro

Guincho que daria meu leitão. seria:

“Camarada Napoleão!”


Napoleão aprovou esse poema e mandou escrevê-lo no grande celeiro, na parede oposta àquela onde estavam os Sete Mandamentos. Sobre ele foi colocado um retrato de Napoleão de perfil, feito por Garganta.

Enquanto isso, por intermédio de Whymper, Napoleão envolvera-se em negociações complicadíssimas com Frederick e Pilkington. As pilhas de madeira ainda não estavam vendidas. Dentre os dois, Frederick era o mais ansioso por colocar-lhes a mão, mas não oferecia um preço razoável. Ao mesmo tempo circulavam renovados boatos de que Frederick e seus homens estavam planejando atacar a Granja dos Bichos e destruir o moinho de vento, cuja construção lhe causara enorme ciúme. Sabia-se que Bola-de-Neve ainda estava oculto na Granja Pinchfield. Em meio ao verão correu entre os animais a notícia alarmante de que três galinhas se haviam apresentado confessando que, instigadas por Bola-de-Neve, haviam conspirado para assassinar Napoleão. Foram executadas imediatamente e se tomaram novas medidas para a segurança de Napoleão. Quatro cachorros passaram a montar guarda junto à sua cama, durante a noite, um em cada canto, e um jovem porco de nome Rosito recebeu a tarefa de provar a comida, para evitar que ele fosse envenenado.

Mais ou menos por essa época, foi anunciado que Napoleão acertara vender as pilhas de madeira ao Sr. Pilkington; ia assinar também um acordo regular para a troca de certos produtos entre a Granja dos Bichos e Foxwood. As relações entre Napoleão e Pilkington, embora mantidas apenas por intermédio de Whymper, eram agora quase amistosas. Os bichos não confiavam em Pilkington, ser humano que era, mas preferiam-no a Frederick, a quem tanto temiam quanto odiavam. Com o passar do verão e estando o moinho de vento perto da conclusão, os boatos de um iminente e traiçoeiro ataque tornavam-se cada vez mais fortes. Frederick, dizia-se, tencionava trazer contra eles vinte homens armados de espingardas e já subornara os magistrados e a polícia, de forma que, se conseguissem colocar as mãos nas escrituras de propriedade da Granja dos Bichos, não surgisse problema algum. Além disso, filtravam-se de Pinchfield terríveis histórias a respeito das barbaridades a que Frederick submetia seus animais. Havia chicoteado um cavalo velho até liquidá-lo, matava as vacas de fome, assassinara um cachorro jogando-o numa fornalha, divertia-se de noite assistindo a brigas de galos, em cujas esporas colocava pedaços de lâminas de barbear. O sangue dos animais fervia de ódio quando ouviam contar o que se fazia contra seus camaradas e, às vezes, alguns pediam que lhes fosse permitido sair para atacar Pinchfield, expulsar os humanos e libertar os bichos. Porém, Garganta aconselhava-os a evitar essas atitudes violentas e a confiar na estratégia do Camarada Napoleão.

Não obstante, crescia o sentimento de ódio com relação a Frederick. Certo domingo de manhã, Napoleão apareceu no celeiro e declarou que jamais, em tempo algum, admitiria vender as pilhas de madeira a Frederick; considerava abaixo de sua dignidade, disse, fazer negócios com patifes daquela espécie. Os pombos, que continuavam a espalhar as mensagens da Revolução, foram proibidos de pôr os pés em qualquer ponto de Foxwood e receberam ordem de modificar seu slogan de “Morte à Humanidade” para “Morte a Frederick”. Entrementes, no fim do verão, foi revelada outra das maquinações de Bola-de-Neve. A lavoura de trigo estava cheia de joio e descobriu-se que Bola-de-Neve havia misturado sementes de joio às do trigo. Um ganso que tomara parte no feito confessou sua culpa a Garganta e suicidou-se comendo frutinhas de erva-moura. Os animais ficaram sabendo também que Bola-de-Neve jamais havia recebido, como pensavam muitos até então, a comenda de “Herói Animal, Primeira Classe”. Era apenas uma lenda, criada algum tempo depois da Batalha do Estábulo pelo próprio Bola-de-Neve. Muito ao contrário, em vez de condecorado, ele for a repreendido por demonstrar covardia durante a batalha. Novamente, alguns bichos ouviram isso com perplexidade, mas Garganta conseguiu convencê-los de que fora um lapso de suas memórias...

No outono, após um tremendo e exaustivo esforço, pois a colheita se fizera ao mesmo tempo, o moinho de vento estava concluído. Restava ainda instalar a maquinaria e Whymper andava tratando das compras, mas a estrutura já estava pronta. Contra todas as dificuldades, a despeito da inexperiência, dos implementos primitivos, da falta de sorte e da perfídia de Bola-de-Neve, a obra estava concluída no exato dia marcado! Cansados, mas orgulhosos, os bichos deram voltas e mais voltas em torno de sua obra-prima, que lhes parecia ainda mais linda do que da primeira vez. Além-disso, as paredes tinham agora o dobro da espessura. Exceto explosivos, nada poderia colocá-las abaixo. E ao pensarem nas modificações que suas vidas sofreriam quando as pás estivessem girando e os dínamos em ação — ao pensarem em tudo isso, o cansaço os abandonava e eles saltavam ao redor do moinho de vento, dando gritos de alegria. Napoleão em pessoa, acompanhado dos seus cachorros e do seu garnisé, veio inspecionar o trabalho concluído; congratulou-se com os animais pelo feito e anunciou que o moinho se chamaria “Moinho Napoleão”.

Dois dias mais tarde, os animais foram convidados para uma reunião especial no celeiro. E ficaram abobados de surpresa quando Napoleão comunicou ter vendido a madeira a Frederick. No dia seguinte, os caminhões de Frederick chegariam para o carregamento. Durante todo o período de aparente amizade com Pilkington, Napoleão na realidade negociara um acordo secreto com Frederick.

Todas as relações com Foxwood foram cortadas e enviadas a Pilkington mensagens insultuosas. Os pombos receberam ordem de não pousar mais na Granja Pinchfield e mudar o slogan de “Morte a Frederick” para “Morte a Pilkington”. Ao mesmo tempo Napoleão assegurou a todos que as histórias sobre o iminente ataque à Granja dos Bichos eram inteiramente falsas e que os boatos a respeito da crueldade de Frederick para com os animais eram muito exagerados. Todos esses boatos eram, provavelmente, coisa de Bola-de-Neve e seus agentes. Parecia, agora, que Bola-de-Neve, na realidade, não estava escondido na Granja Pinchfield; aliás nunca estivera lá, em toda sua vida, vivia (e cercado de muito luxo, sabiam agora) em Foxwood, sendo, além do mais, pensionista de Pilkington há muitos anos.

Os porcos estavam quase em êxtase com a esperteza de Napoleão. Fingindo ser amigo de Pilkington, obrigara Frederick a aumentar seu preço em doze libras. Porém, a qualidade superior da mente de Napoleão, dizia Garganta, estava no fato de não confiar em ninguém, nem mesmo em Frederick. Este quisera pagar a madeira com uma coisa chamada cheque, que era, ao que diziam, um pedaço de papel com uma promessa de pagamento escrita. Mas Napoleão era vivo demais para isso. Exigiu o pagamento em notas autênticas de cinco libras, que deveriam ser entregues antes da retirada da madeira. Frederick já pagara; e a soma era suficiente para comprar a maquinaria do moinho de vento.

A madeira já fora retirada com grande rapidez. Quando todo carregamento estava bem longe, houve outra reunião especial no celeiro, para os bichos examinarem as notas de Frederick. Sorrindo beatificamente e usando suas condecorações, Napoleão recostara-se numa cama de palha, com o dinheiro a seu lado, cuidadosamente empilhado numa travessa da cozinha da casa-grande. Os animais passavam lentamente em fila e cada um olhava o tempo que quisesse. Sansão espichou o focinho para cheirar as notas e as delicadas coisinhas agitaram-se e farfalharam com sua respiração.

Três dias mais tarde, houve um deus-nos-acuda. Whymper, branco como cera, chegou afobado com sua bicicleta, deixou-a caída no pátio e correu para dentro da casa. Daí a momentos ouviu-se um pavoroso rugido de raiva vindo do apartamento de Napoleão. A notícia do que sucedera espalhou-se pela granja com a rapidez de um raio. As notas eram falsas! Frederick levara a madeira de graça!

Napoleão imediatamente chamou os animais e com um vozeirão de arrepiar proclamou a sentença de morte contra Frederick. Ao ser capturado, disse, Frederick seria queimado vivo. Ao mesmo tempo avisou que, depois daquela insídia, deveriam esperar pelo pior. Frederick e seus homens poderiam desencadear a qualquer momento o tão falado ataque. Foram colocadas sentinelas em todos os caminhos que conduziam à granja. Além disso, quatro pombos foram mandados a Foxwood com uma mensagem conciliadora, que levava as esperanças de restabelecer as boas relações com Pilkington.

Logo na manhã seguinte sobreveio o ataque. Os animais estavam fazendo a refeição matinal, quando as sentinelas chegaram correndo com a notícia de que Frederick e seus seguidores já haviam atravessado a porteira das cinco barras. Corajosamente, os bichos saíram ao seu encontro, mas desta vez não obteriam uma vitória fácil como a da Batalha do Estábulo. Eram quinze homens, com meia dúzia de espingardas, e abriram fogo tão logo chegaram a cinqüenta metros. Os animais não puderam fazer frente à saraivada de balas e, a despeito dos esforços de Napoleão e Sansão para fazê-los voltar à luta, retrocederam. Muitos já estavam feridos. Refugiaram-se no casario da granja e ficaram olhando prudentemente pelos buracos. Toda pastagem, inclusive o moinho de vento, caíra nas mãos do inimigo. Até Napoleão estava perplexo. Caminhava de um lado para o outro, sem proferir palavra, com o rabo rígido e contraído. Olhares ansiosos eram lançados na direção de Foxwood. Se Pilkington e seus homens os ajudassem, ainda poderiam ganhar a parada. Porém, nesse momento, voltaram os quatro pombos enviados no dia anterior, um deles trazendo um pedaço de papel da parte de Pilkington, com as palavras “Bem feito” escritas a lápis.

Enquanto isso, Frederick e seus homens se haviam detido junto ao moinho de vento. Os animais continuavam observando e viram surgir um pé-de-cabra e um malho. Correu um murmúrio de aflição. Iam botar abaixo o moinho de vento.

— Impossível — exclamou Napoleão. — As paredes são grossas demais para isso. Nem em uma semana conseguirão. Coragem, camaradas.

Benjamim, porém, observava atentamente a atividade dos homens. Lentamente, com um ar de quem se diverte, meneou o focinho.

— Exatamente o que eu supunha — disse ele. Vocês não vêem o que eles estão fazendo? Daqui a pouco vão colocar explosivos naquele buraco.

Aterrorizados, os bichos esperaram. Era impossível abandonar a proteção das casas Daí a pouco os homens saíram correndo em todas as direções. Ouviu-se, logo após, um estrondo ensurdecedor. Os pombos revolutearam no ar e os animais todos, exceto Napoleão, jogaram-se ao chão. Quando se levantaram outra vez, havia uma gigantesca nuvem preta no lugar do moinho. Aos poucos, a brisa a dissolveu. O moinho de vento havia desaparecido!

Aquilo devolveu a coragem aos animais. O medo e o desânimo que sentiam foram engolfados pelo tremendo ódio — que os dominou ante aquela vilania inominável. Um brado de vingança subiu aos ares; sem esperar ordens, reuniram-se e, como um só corpo, lançaram-se contra o inimigo. Desta vez não fugiram às balas cruéis que caíam sobre eles, em saraivadas. Foi uma batalha horrível, selvagem. Os homens atiraram várias vezes e quando os animais os alcançaram foi aquela pancadaria em todas as direções, com porretes e tacões de bota. Morreram uma vaca, três ovelhas e dois gansos, e quase todo mundo ficou ferido. Até Napoleão, que dirigia as operações da retaguarda, teve a ponta do rabicho arranhada por um balim. Mas aos homens não tocou melhor sorte. Três tiveram as cabeças quebradas pelos golpes de Sansão; outro, a barriga furada pelo chifre de uma vaca; outro viu suas calças quase arrancadas por Lulu e Ferrabrás. E quando os nove cachorros da guarda pessoal de Napoleão, que este mandara realizar um movimento por trás da sebe, apareceram de repente no flanco dos humanos, latindo furiosamente, o pânico os dominou. Perceberam o perigo de serem cercados. Frederick gritou a seus homens que se retirassem enquanto havia passagem, e em seguida o inimigo fugia acovardado para salvar a vida. Os animais perseguiram-nos até o fundo do campo, aplicando-lhes ainda os últimos golpes ao atravessarem a sebe de pilriteiro.

Haviam vencido, mas estavam feridos e sangravam. Lentamente, começaram a voltar para a granja. A vista dos camaradas mortos, estirados sobre a relvas comoveu alguns até as lágrimas. E por alguns minutos detiveram-se num triste silêncio no local onde existira o moinho. Sim, ele sumira; fora-se quase todo o seu trabalho. Até os alicerces estavam parcialmente destruídos. E desta vez para reconstruí-lo não bastaria erguer de novo pedras caídas ali mesmo: estas também haviam desaparecido. A força da explosão as arremessara a centenas de metros. Era como se o moinho jamais houvesse existido.

Ao se aproximarem do sítio, Garganta, que estivera inexplicavelmente ausente da luta, veio-lhes ao encontro, sacudindo o rabicho e guinchando de satisfação. E os animais ouviram, da direção da granja, o troar solene da espingarda.

— A troco de quê está atirando aquela arma? — perguntou Sansão.

— Para celebrar nossa vitória! — exclamou Garganta.

— Vitória. Que vitória? — gritou Sansão. Tinha os joelhos sangrando, perdera uma ferradura, rachara o casco e uma dúzia de chumbinhos haviam-se alojado em sua pata traseira.

— Você pergunta que vitória, camarada? Mas então não expulsamos o inimigo do nosso solo, do solo sagrado da Granja dos Bichos?

— Mas eles destruíram o moinho de vento. Nosso trabalho de dois anos!

— Que importa? Construiremos outro moinho de vento. Construiremos meia dúzia de moinhos de vento, se quisermos. Vocês não percebem, camaradas, que coisa formidável realizamos? O inimigo ocupava este mesmo chão em que pisamos. E agora, graças à liderança do Camarada Napoleão, nós o ganhamos centímetro por centímetro!

— Quer dizer, ganhamos o que já era nosso — retrucou Sansão.

— Essa foi a nossa vitória — insistiu Garganta.

Coxearam até o pátio. As balas, sob o couro de Sansão, aferroavam dolorosamente. Ele enxergava à sua frente a pesada tarefa de reconstruir o moinho de vento e, mesmo em imaginação, já se atirava ao trabalho. Pela primeira vez, entretanto, ocorreu-lhe a lembrança de que já tinha onze anos de idade e que talvez seus músculos já não tivessem a mesma força de antes.

Porém, quando os bichos viram tremular a bandeira verde, ouviram a arma atirar novamente — sete tiros ao todo — e o discurso que Napoleão fez congratulando-se com a atuação deles, pareceu-lhes que, afinal de contas, haviam obtido uma grande vitória. Os animais caídos na batalha tiveram funerais solenes. Sansão e Quitéria puxaram o carroção que serviu de carro fúnebre e Napoleão abriu em pessoa o cortejo. Dedicaram-se dois dias inteiros às celebrações. Houve canções, discursos, novos disparos da espingarda e o prêmio especial de uma maçã para cada animal, cinqüenta gramas de milho para cada ave e três biscoitos para cada cachorro. Proclamou-se que a batalha se chamaria Batalha do Moinho de Vento e que Napoleão havia criado nova comenda, a Ordem da Bandeira Verde, que conferira a si próprio. Em meio ao regozijo geral, o assunto das notas de dinheiro foi esquecido.

Foi alguns dias depois disso que os porcos encontraram, na adega da casa-grande, uma caixa de uísque. Passara despercebida na época da ocupação. Naquela noite chegou da casa o som de uma cantoria em que, para surpresa de todos, se ouviam trechos de Bichos da Inglaterra. Mais ou menos às nove e meia da noite, Napoleão, usando um velho chapéu coco de Jones, foi visto claramente emergir da porta traseira, dar um rápido galope em volta do pátio e sumir pela porta outra vez. Na manhã seguinte, um silêncio profundo tomara conta da casa. Ao que parecia, nenhum porco estava de pé. Eram quase nove horas quando apareceu Garganta, vacilante e deprimido, com os olhos embaçados o rabicho mole, com um aspecto seriamente doentio. Chamou todo mundo e disse que tinha péssimas notícias para dar. O Camarada Napoleão estava à morte!

Ouviu-se um grito de lamento Colocaram palha fora da porta da casa e os animais entraram pé ante pé. Com lágrimas nos olhos, perguntavam-se que seria deles se o Líder faltasse. Correu o boato de que Bola-de-Neve afinal conseguira envenenar a comida de Napoleão. As onze, Garganta saiu de novo para fazer outra proclamação. Como último ato sobre a terra, o Camarada Napoleão expedira o seguinte decreto: a ingestão de álcool seria punida com a morte.

Já à noite, Napoleão parecia um pouco melhor e na manhã seguinte Garganta pôde anunciar sua franca recuperação. Na tarde desse dia Napoleão voltou à atividade e no dia seguinte soube-se que dera instruções a Whymper para comprar, em Willingdon, alguns folhetos sobre fermentação e destilação. Uma semana depois, Napoleão deu ordem que fosse arado o pequeno potreiro atrás do pomar, anteriormente destinado ao repouso dos animais aposentados. Espalhou-se que a pastagem estava cansada e necessitava de uma nova semeadura, porém logo se soube que Napoleão pretendia semeá-la com cevada.

Mais ou menos nessa época, aconteceu um incidente que nenhum dos bichos pôde compreender. Certa noite, à meia-noite mais ou menos, ouviu-se um ruído de queda no pátio e os animais correram de suas baias para ver o que sucedera. Era uma noite de lua. Ao pé da parede do fundo do grande celeiro, na qual estavam escritos os Sete Mandamentos, encontraram uma escada quebrada em dois pedaços. Garganta, momentaneamente aturdido, jazia estatelado junto a ela, tendo ao lado uma lanterna, uma brocha e uma lata de tinta branca, entornada. Os cachorros fizeram imediatamente um círculo em torno de Garganta e escoltaram-no de volta à casa-grande, tão logo ele pôde caminhar. Os bichos não conseguiam fazer sequer idéia do que significava aquilo, exceto Benjamim, que torceu o focinho com um ar de compreensão e pareceu entender o que se passara, mas nada disse.

Porém, alguns dias mais tarde, Maricota, lendo os Sete Mandamentos, notou que havia outro mandamento mal recordado pelos animais. Todos pensavam que o Quinto Mandamento era “Nenhum animal beberá álcool”, mas haviam esquecido duas palavras. Na realidade, o Mandamento dizia: "Nenhum animal beberá álcool em excesso."
© alguemsemnome,
книга «A Revolução dos Bichos».
Коментарі