Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 9

A rachadura do casco de Sansão levou muito tempo para cicatrizar. Haviam iniciado a reconstrução do moinho de vento no dia seguinte ao final das celebrações. Sansão recusou-se a aceitar um só dia de dispensa e fez questão de honra em não dar mostras da dor que sofria. À noite, admitia em particular para Quitéria que o casco realmente ø incomodava muito. Quitéria tratava-o com infusões de ervas, que preparava mastigando, e tanto ela como Benjamim diziam a Sansão que não trabalhasse tanto Os pulmões de um cavalo não são de ferro, alertava ela. Sansão, porém, não atendia. Explicava só tinha uma ambição — ver o moinho de vento Concluído antes de aposentar-se.

De início, quando as leis da Granja dos Bichos foram elaboradas, fixara-se a idade de aposentadoria em doze anos para os cavalos e os porcos, catorze para as vacas, nove para os cachorros, sete para as ovelhas e cinco para as galinhas e os gansos. Pensões liberais se estabeleceram para os animais idosos. Até então, nenhum bicho se aposentara, mas ultimamente o assunto vinha sendo objeto de freqüentes conversas. Como o potreiro atrás do pomar fora semeado com cevada, dizia-se agora que um canto da pastagem grande seria cercado e reservado para os velhos. Para os cavalos, ao que se falava, a pensão seria de dois quilos e meio de milho por dia e, no inverno, oito quilos de feno, mais uma cenoura, ou talvez uma maçã, nos feriados. O décimo segundo aniversário de Sansão seria no fim do verão do ano seguinte.

A vida ia dura. O inverno foi tão frio quanto o anterior, e a quantidade de alimento ainda menor. Novamente foram reduzidas todas as rações, exceto as dos porcos e dos cachorros. Uma igualdade por demais rígida em matéria de rações, explicou Garganta, seria contrária ao espírito do Animalismo. De qualquer maneira, não teve dificuldade em provar aos outros bichos que na realidade eles não sentiam falta de comida, a despeito das aparências. Naquele momento, de fato, fora necessário realizar um reajustamento das rações (Garganta sempre se referia a “reajustamentos”, nunca a “reduções”), mas, em comparação com o tempo de Jones, a diferença para melhor era enorme. Lendo os dados estatísticos em voz aguda e rápida, provou-lhes, com riqueza de detalhes, que eles recebiam mais aveia, mais feno e mais do que na época de Jones; que trabalhavam muito menos, que a água potável era de melhor qualidade, que viviam mais tempo, que havia mais palha nas baias e que as pulgas já não incomodavam tanto. Os animais acreditavam em cada palavra. Para falar a verdade, tanto Jones como tudo quanto ele representava já estavam quase apagados de suas memórias. Sabiam que a vida estava difícil e cheia de privações, que andavam constantemente com frio e com fome, e traba1hando sempre que não estavam dormindo. Mas, sem dúvida, antigamente fora muito pior. Gostavam de acreditar nisso. Além do mais, naqueles dias eram escravos, ao passo que, agora, eram livres; e tudo isso, afinal, fazia diferença, conforme Garganta sempre dizia.

Havia agora muito mais bocas a alimentar. No outono as quatro porcas haviam dado cria quase simultaneamente — trinta e um leitõezinhos ao todo. Os leitões eram malhados, e, sendo Napoleão o único cachaço da fazenda, era fácil adivinhar sua linguagem. Foi proclamado que, mais tarde, quando comprassem tábuas e tijolos, seria construída uma escola no jardim da casa. Por enquanto, os leitões seriam instruídos pelo próprio Napoleão, na cozinha. Faziam seus exercícios no jardim e eram aconselhados a não brincar com os filhotes dos outros animais. Mais ou menos por essa época, estabeleceu-se que, quando um porco e outro animal se encontrassem numa trilha, o outro animal cederia a passagem; e também que os porcos, qualquer que fosse seu grau hierárquico teriam o direito de usar fitas vermelhas no rabicho aos domingos.

A granja tivera um ano bem sucedido, mas faltava dinheiro. Era necessário comprar tijolos, areia e cal para a escola, e economizar outra vez para a maquinaria do moinho de vento. Além disso, havia ainda necessidade de querosene para os lampiões e velas para a casa, açúcar para a mesa de Napoleão(ele o proibira para os outros porcos, dizendo que engordava), todo o suprimento normal de ferramentas, pregos, carvão, arame, ferro velho, e biscoitos para cachorros. Venderam uma meda de feno e parte da colheita de batatas, e o contrato de fornecimento de ovos foi aumentado para seiscentos por semana, de forma que as galinhas naquele ano mal puderam chocar um número de ovos, que as mantivesse no mesmo nível. As rações, já reduzidas em dezembro, sofreram nova redução em fevereiro, e foram proibidos os lampiões nos estábulos, a fim de economizar querosene. Os porcos, entretanto, pareciam bastante bem, pelo menos ganhavam sempre alguns quilinhos.

Uma tarde, em fins de fevereiro, correu pelo pátio, proveniente da cozinha, um cheiro gostoso, suculento, quentinho, como nunca os animais haviam sentido antes. Alguém disse que era cheiro de cevada cozida. Os bichos farejaram avidamente o ar e ficaram a pensar se não seria algum fervido para o jantar. Mas não apareceu fervido nenhum no jantar e no domingo seguinte foi comunicado que toda a cevada passaria a ser reservada para os porcos. O campinho junto ao pomar já fora semeado com cevada e logo transpirou a notícia de que cada porco estava recebendo diariamente, a ração de meia garrafa de cerveja, sendo que Napoleão recebia meio galão e era servido na terrina da baixela de porcelana.

Mas se havia grandes agruras a arrostar, estas eram compensadas pelo fato de a vida agora ter muito mais dignidade. Havia mais canções, mais discursos, mais desfiles. Napoleão determinara que uma vez por semana houvesse uma coisa chamada Manifestação Espontânea, cuja finalidade era comemorar as lutas e triunfos da Granja dos Bichos. À hora marcada os animais deviam abandonar o trabalho e desfilar pelo terreno da granja, em formação militar, os porcos à frente, depois os cavalos, depois as vacas, depois as ovelhas e, por último, as aves. Os cachorros enquadravam a formatura e à testa marchava o garnisé preto de Napoleão. Sansão e Quitéria conduziam sempre a bandeira verde com o desenho do chifre e da ferradura e a legenda “Viva o Camarada Napoleão”. A seguir havia recitação de poemas compostos em honra de Napoleão, um discurso de Garganta dando detalhes dos últimos aumentos na produção de gêneros, e no momento exato a espingarda dava um tiro. Quem mais gostava das Manifestações Espontâneas eram as ovelhas, e se alguém se queixava (havia quem o fizesse, quando os porcos ou os cachorros não andavam por perto) de que aquele negócio era uma perda de tempo e obrigava a ficar bom pedaço no frio, as ovelhas invariavelmente calavam o insatisfeito com um ensurdecedor balido de “Quatro pernas bom, duas pernas ruim!” De modo geral, porém, os bichos gostavam daquelas celebrações. Achavam confortador serem relembrados de que, afinal, não tinham patrões e todo trabalho que enfrentavam era em seu próprio benefício. E assim, à custa das cantorias, dos desfiles, das estatísticas de Garganta, do estrondo da espingarda, do cocoricó do garnisé e do drapejar da bandeira, conseguiam esquecer que estavam de barriga vazia, pelo menos a maior parte do tempo.

Em abril, a Granja dos Bichos foi proclamada República e houve necessidade de eleger um Presidente. Apareceu um só candidato, Napoleão, que foi eleito por unanimidade. No mesmo dia notificou-se a descoberta de novos documentos, que revelavam mais detalhes sobre a cumplicidade de Bola-de-Neve com Jones. Soube-se que Bola-de-Neve não apenas tentara perder a Batalha do Estábulo, por meio de um estratagema, conforme os animais já tinham tomado conhecimento, mas lutara abertamente ao lado de Jones. Na realidade, fora ele o verdadeiro líder das forças humanas e jogara-se à batalha com as palavras “Viva a Humanidade!” nos lábios. Os ferimentos em suas costas, que alguns poucos bichos lembravam-se de ter visto, haviam sido causados pelos dentes de Napoleão.

Em meio ao verão, Moisés, o corvo, reapareceu inesperadamente na granja, após uma ausência de vários anos. Continuava o mesmo, não trabalhava e contava as histórias de sempre a respeito da Montanha de Açúcar. Encarapitava-se num toco de árvore e arengava durante horas para quem quisesse ouvir:

— Lá em cima, camaradas — dizia ele, solenemente, apontando o céu com a bicanca — lá em cima, pouco além daquela nuvem preta, ali está ela, a Montanha de Açúcar, o lugar feliz onde nós, pobres animais, descansaremos para sempre desta nossa vida de trabalho.

Chegava a afirmar haver estado lá, num dos vôos mais altos, e ter visto os infindos campos de trevo e os bolos de linhaça e o açúcar crescendo nas sebes. Muitos bichos acreditavam. Suas vidas atualmente eram de fome e de trabalho, raciocinavam; era justo que lhes estivesse reservado um mundo melhor, mais além? Coisa difícil de determinar era a atitude dos porcos, com relação a Moisés. Eles afirmavam peremptoriamente que as histórias sobre a Montanha de Açúcar não passavam de pura mentira; no entanto, deixavam-no permanecer na granja, sem trabalhar, e ainda por cima com direito a um copo de cerveja por dia.

Depois que o casco ficou bom, Sansão trabalhou mais violentamente do que nunca. Aliás, naquele ano todos os bichos trabalharam feito escravos. Além da faina normal na fazenda e da reconstrução do moinho de vento, ainda houve a escola dos porquinhos, iniciada em março. Às vezes tornava-se difícil agüentar as longas horas sem comer, mas Sansão nunca fraquejou. Em nada do que dizia ou fazia era possível perceber qualquer sinal de que sua energia já não era a mesma de antigamente. Apenas sua aparência estava um pouco modificada; o pêlo já não era tão brilhante e as ancas pareciam haver murchado. Sansão vai-se recuperar quando crescer o capim da primavera, diziam os outros — porém a primavera chegou e Sansão não mudou de aspecto. Por vezes, na rampa da pedreira, quando enrijecia a musculatura contra o peso de um enorme pedregulho, tinha-se a impressão de que apenas a vontade o mantinha de pé. Nesses momentos seus lábios formavam claramente as palavras “Trabalharei mais ainda”; não emitia qualquer som. Novamente Quitéria e Benjamim o aconselharam, porém ele não deu atenção. Seu décimo segundo aniversário se aproximava.

Não se importava com o que sucedesse, desde que pudesse acumular uma boa quantidade de pedras antes de aposentar-se.

Certa noite, no verão, correu a súbita notícia de que algo acontecera a Sansão, que havia saído sozinho para puxar uns montes de pedra até o moinho. E era verdade. Poucos minutos depois chegaram dois pombos afobados:

— Sansão está caído! — Não consegue levantar-se!

Metade dos animais da granja correu para a colina do moinho de vento. Lá estava Sansão, deitado entre os paus da carroça, com o pescoço esticado e sem poder sequer levantar a cabeça. Corria-lhe da boca um filete de sangue. Quitéria ajoelhou-se a seu lado.

— Sansão — chamou ela — você está bem?

— É o meu pulmão — disse ele quase sem voz. — Não tem importância. Vocês terminarão o moinho sem mim. Já deixei bastante pedra aí, De qualquer maneira só me restava um mês de atividade. Para falar a verdade, tenho estado à espera desta hora. E, como Benjamim também está ficando velho talvez o deixem aposentar-se para me fazer companhia.

— Precisamos de socorro imediatamente — gritou Quitéria. — Alguém vá correndo Contar a Garganta o que aconteceu.

Os animais todos correram à casa-grande para dar a notícia a Garganta. Só ficaram Quitéria e Benjamim, que se deitou ao lado de Sansão e, sem dizer uma palavra, ficou a espantar-lhes as moscas com o rabo comprido. Mais ou menos um quarto de hora depois, Garganta apareceu, cheio de simpatia e preocupação. Disse que o Camarada Napoleão tomara conhecimento, abaladíssimo, do mal que sucedera a um dos trabalhadores mais leais da granja, e já estava tratando de enviar Sansão para tratar-se no hospital em Willingdon. Os animais sentiram certa inquietação (com exceção de Mimosa e Bola-de-Neve, nenhum deles jamais saíra da granja) e não gostaram da idéia de seu camarada ir parar nas mãos dos humanos. Entretanto Garganta os convenceu, facilmente, de que o cirurgião veterinário de Willingdon poderia tratar do caso de Sansão muito melhor do que eles, na granja. Cerca de meia hora mais tarde, quando Sansão já se recuperara um pouco, conseguiram pô-lo de pé e ele cambaleou de volta até a baia, onde Quitéria e Benjamim lhe haviam preparado uma boa cama de palha.

Durante os dois dias seguintes Sansão permaneceu na baia. Os porcos enviaram uma garrafa contendo um remédio cor-de-rosa, encontrado no armarinho do banheiro, e Quitéria servia-o a Sansão duas vezes ao dia, após as refeições. À noite, Quitéria permanecia a seu lado, conversando com ele, enquanto Benjamim afastava as moscas. Sansão afirmava não estar triste com o acontecido. Caso se recuperasse bem, poderia viver mais três anos, e já imaginava os dias tranqüilos que passaria no rincão da pastagem. Seria a primeira vez que lhe sobraria tempo de folga para estudar e melhorar seus conhecimentos. Pretendia dedicar o resto de sua existência ao aprendizado das vinte e duas letras restantes do alfabeto.

Contudo, Benjamim e Quitéria só podiam estar a seu lado após as horas de trabalho, e foi durante o dia que o carroção veio buscá-lo. Os animais estavam na lavoura semeando nabos, sob a supervisão de um porco, e ficaram admirados ao verem Benjamim a galope, vindo da direção das casas da granja ao encontro deles, zurrando feito louco. Era a primeira vez na vida que viam Benjamim excitado — para falar a verdade era a primeira vez que alguém o via galopar.

— Depressa, depressa! — gritou. — Venham depressa! Estão levando Sansão! — Sem esperar ordens do porco, largaram o trabalho e correram de volta para as casas. Realmente, lá estava um carroção fechado, puxado por dois cavalos, com um letreiro no lado e um homem de chapéu-coco sentado na boléia. A baia de Sansão estava vazia.

Os bichos se apinharam ao redor do carroção.

— Até breve, Sansão! gritaram. — Até breve!

— Idiotas! Idiotas! — exclamou Benjamim corcoveando em volta deles e ferindo o chão com os cascos pequeninos. — Imbecis! Não vêem o que está escrito ali ao lado?

Isso fez calar os animais e ouviu-se um psss. Maricota começou a soletrar as palavras, mas Benjamim empurrou-a para um lado e leu em meio a grande silêncio:

— “Alfred Simmonds, Matadouro de Cavalos, Fabricante de Cola, Willingdon. Peles e Farinha de Ossos. Fornece para Canis.” Será que vocês não percebem? Vão levar Sansão para o carniceiro! Houve um grito de horror dos bichos. Nesse momento o homem da boléia estalou o chicote e os cavalos saíram a trote vivo, abandonando o pátio. Os bichos correram atrás, gritando com todas as forças. Quitéria abriu caminho até a frente. O carroção tomou velocidade. Quitéria tentou fazer que suas pernas grossas galopassem e conseguiu um trotezinho.

— Sansão! — gritou ela. — Sansão! Sansão! Sansão! — Nesse exato momento, como se tivesse ouvido a barulheira de fora, apareceu na janelinha de trás da carroça a cara de Sansão, com sua mancha branca no focinho.

— Sansão! — berrou Quitéria desesperadamente. — Sansão! Saia daí! Saia depressa! Estão levando-o para a morte!

Os bichos gritavam a um tempo:

— Saia daí, Sansão, saia daí! — Todavia o carroção tomava velocidade e começava a distanciar-se. Não podiam saber se Sansão havia entendido Quitéria. Logo depois, entretanto, sua cara desapareceu da janela e ouviu-se o barulho da tremenda pancadaria de seus cascos no interior do carroção. Ele tentava livrar-se de qualquer maneira. Tempo houve em que com alguns coices Sansão transformaria aquela carroça num monte de lenha. Mas, ai! sua força o abandonara; em poucos instantes, o som das batidas diminuiu e morreu. Desesperados, os animais suplicaram aos dois cavalos que puxavam o carroção para que se detivessem.

— Camaradas! Camaradas! — gritavam eles. Não levem um irmão de vocês para essa morte! — Porém os brutos estúpidos, ignorantes demais para entenderem o que acontecia, limitaram-se a murchar as orelhas e apertar o passo. A cara de Sansão não reapareceu mais na janela. Alguém pensou em correr à frente e fechar a porteira das cinco barras, mas era tarde demais, pois logo o carroção atravessava a porteira e desaparecia rapidamente na estrada. Sansão nunca mais foi visto.

Três dias mais tarde, chegou a notícia de que havia falecido no hospital veterinário de Willingdon, a despeito de ter recebido todos os cuidados que um cavalo merece. Garganta veio dar a notícia. Presenciara, disse, os últimos momentos de Sansão.

— Foi a cena mais comovente de minha vida! — disse Garganta, erguendo a pata e deixando rolar uma lágrima. — Eu estava à sua cabeceira no instante final. Quase sem poder falar, ele sussurrou ao meu ouvido que seu único pesar era morrer antes de ver terminado o moinho de vento. “Para a frente, camaradas! Viva a Granja dos Bichos! Viva o Camarada Napoleão! Avante em nome da Revolução! Napoleão tem sempre razão.” Estas foram suas últimas palavras, camaradas.

— A seguir, os modos de Garganta se transformaram. Caiu em silêncio por um momento e seus olhinhos deram miradas suspeitosas para os lados antes de prosseguir.

Chegara a seu conhecimento, disse ele, que um boato idiota e perverso circulara por ocasião da baixa de Sansão. Alguns animais haviam notado que na carroça que transportou Sansão estava escrito “Matadouro de Cavalos”, chegando à conclusão de que Sansão estava sendo mandado para o carniceiro. Era quase inacreditável que um bicho pudesse ser tão estúpido. Com certeza, gritou ele indignado, sacudindo o rabicho e dando pulinhos, com certeza todos conheciam seu amado Líder, o Camarada Napoleão não? A explicação era muito simples. A carroça pertencera, antes, ao carniceiro, depois fora comprado pelo cirurgião veterinário, que ainda não apagara letreiro. Eis como se dera o engano.

Os bichos ficaram imensamente aliviados com isso. E quando Garganta continuou dando detalhes sobre a câmara mortuária de Sansão, o extraordinário cuidado que recebeu e os caríssimos remédios que Napoleão mandara comprar sem olhar o preço, desapareceram suas últimas dúvidas e a tristeza pelo camarada morto foi mitigada pela certeza de que, pelo menos, morrera feliz.

O próprio Napoleão apareceu no encontro do domingo seguinte e pronunciou uma singela oração. em memória de Sansão. Não fora possível, explicou, trazer de volta os despojos do lamentado camarada para o enterro, porém dera ordem para que se confeccionasse uma grande coroa com louros do jardim e a enviara para ser colocada no túmulo de Sansão. E anunciou que, alguns dias depois, os porcos pretendiam realizar um banquete em memória de Sansão.

Napoleão finalizou seu discurso relembrando as duas máximas prediletas de Sansão. “Trabalharei mais ainda” e “O Camarada Napoleão tem sempre razão”, máximas, disse, que cada animal deveria adotar para si próprio.

No dia marcado para o banquete, chegou de Willingdon a carroça de um armazém e desembarcou na casa-grande um engradado de madeira. Naquela noite ouviu-se uma alta cantoria seguida de algo que parecia uma discussão violenta e que terminou cerca das onze horas com uma tremenda barulheira de vidros quebrados. No dia seguinte ninguém se levantou na casa-grande, até o meio-dia, e correu uma conversa de que os porcos haviam conseguido, não se sabia de que maneira, dinheiro para adquirir outra caixa de uísque.
© alguemsemnome,
книга «A Revolução dos Bichos».
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