DIÁRIO DO DR. SEWARD
11 de outubro, 4 da manhã — Justamente quando íamos sair, chegou-me um recado urgente de Renfield, dizendo que queria me ver imediatamente, pois tinha uma comunicação importantíssima para fazer. Disse ao mensageiro para responder que iria vê-lo na manhã seguinte, mas o guarda observou: — Ele parece estar muito aflito e receio que tenha um acesso de fúria se o senhor não for.
Achei mais prudente vé-lo e segui acompanhado de todos os outros, que estavam com curiosidade de ver o louco. Encontramo-lo muito agitado, mas muito mais racional em suas palavras e nos seus modos do que sempre. Queria que eu lhe desse liberdade imediatamente, a fim de voltar para casa. Justificava sua pretensão com argumentos sobre seu restabelecimento.
— Apelo para os seus amigos — acrescentou. — A propósito: o senhor não nos apresentou.
Fiz as apresentações. Renfield apertou a mão de cada um.
— Lord Godalming — disse — tive a honra de conhecer seu pai em Windham; lamento saber, pelo fato do senhor estar usando o título, que ele já não vive; sei, que, em sua mocidade, inventou um famoso ponche de rum. Sr. Morris, o senhor deve se sentir orgulhoso de seu grande Estado. Sua recepção na União foi um precedente que pode ter conseqüências de longo alcance. E que direi do prazer de conhecer Van Helsing? Não me desculpo por ter dispensado os prefixos cerimoniosos. Quando um indivíduo revoluciona a medicina com sua descoberta sobre a evolução contínua do cérebro, as formas convencionais tornam-se supérfluas. Os senhores, que, pela nacionalidade, hereditariedade ou pela posse de dons naturais, estão em condições de ocupar lugares destacados no mundo, podem ser testemunhas de que tenho o espírito tão lúcido como pelo menos a maioria dos homens que gozam de sua liberdade. E estou certo de que o senhor, Dr. Seward, que não é somente um cientista, mas um médico humanitário, sentir-se-á no dever moral de tratar-me como alguém que merece ser considerado dentro de circunstâncias especiais.
Creio que todos ficaram estupefatos. Quanto a mim, fiquei convencido de que, a dos antecedentes, o homem tinha recuperado a razão; e tive vontade de dizer-lhe isto e anui3ciar-lhe que, no dia seguinte cedo, tomaria as devidas providências para que ele fosse posto em liberdade. Mas, refletindo melhor, contive-me e disse-lhe apenas que, de fato, parecia estar melhorando muito e que, no dia seguinte, teria uma conversa prolongada com ele, para estudar a possibilidade de satisfazer seus desejos.
— Creio — retrucou ele, vivamente.
Como eu não respondesse, ele me olhou, depois olhou para os outros.
— Será possível que errei em minha suposição? — perguntou.
— Errou — respondi, com uma franqueza que eu mesmo achei brutal.
— Então, acho que devo modificar a natureza do pedido. Permita-me que peça essa concessão, esse privilégio. Sou levado a implorar em tal caso, não por motivos pessoais, mas para bem de outros. Não posso lhe explicar todos os motivos, mas pode acreditar que me são ditados pelo dever. Se pudesse ler o meu coração, aprovaria inteiramente os sentimentos que me animam. E, mais do que isso, poderia me considerar um de seus melhores e mais leais amigos.
Van Helsing, que o encarava fixamente, perguntou-lhe, então: — Pode me dizer, com toda a franqueza, o verdadeiro motivo que o leva a desejar ser posto em liberdade esta noite? Se me disser, comprometo-me a conseguir que o Dr. Seward lhe conceda o que pede.
— Nada posso dizer — retrucou Renfield. — Se eu pudesse, não hesitaria um momento; mas não sou senhor de mim mesmo nessa questão. Só lhe posso pedir que confie em mim. Se me recusarem, a responsabilidade não recairá sobre mim.
Achei que era tempo de acabar com aquilo e convidei os outros a se retirarem.
— Vamos, meus amigos. Temos um trabalho a fazer. Boa noite.
Ao nos aproximarmos da porta, porém, nova mudança ocorreu com o enfermo, que caiu de joelhos, implorando-me, de mãos postas que o deixasse sair.
— Deixe-me sair desta casa imediatamente, Dr. Seward! Mande-me para onde quiser; mande-me acompanhado de guardas, com correntes e chicotes; mande-me numa camisa-de-força, dentro de uma jaula, mas deixe-me sair daqui. Não sabe o que está fazendo ao manter-me aqui, e eu não posso dizer. Estou lhe implorando do fundo do coração, do fundo da alma. Pelo amor do Onipotente tire-me daqui e salve minha alma! Deixe-me sair! Deixe-me sair!
Achando que quanto mais aquilo se prolongasse mais furioso ficaria ele, segurei-o por um braço e levantei-o.
— Acabe com isto — exclamei, com energia. — Vá para sua cama e fique quieto.
Ele parou e me encarou, fixamente, durante algum tempo. Depois, sem dizer uma palavra levantou-se e sentou-se na cama.
Quando eu estava saindo do quarto, disse-me, com muita calma: — Estou certo, Dr. Seward, que, mais tarde, o senhor me fará justiça, reconhecendo que fiz o que pude para convencê-lo esta noite.
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